sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Acontece no mundo da literatura: Simultaneidades divulga.

Depois de “O Evangelho Segundo Jesus Cristo” José Saramago cria nova polémica com a Igreja Católica com o seu novíssimo livro "CAÍM"

Lisboa, 21 de Outubro de 2006
“ Era impossível que novo romance passasse despercebido devido ao tema escolhido: Caim e a Bíblia. Ao continuar a sua interpretação bíblica, que o levou ao exílio após o veto ao 'Evangelho segundo Jesus Cristo', o Nobel volta a abanar a estrutura de um dos edifícios que mais o indispõe, o das religiões. As reacções explodiram quando quase ninguém leu 'Caim'
A Igreja Católica portuguesa reagiu em bloco ao novo romance de José Saramago, ainda o livro estava a ser posto à venda nas livrarias. Os primeiros comentários de uma polémica que está longe do seu auge, e das réplicas que decerto provocará, tiveram origem nas declarações que o Nobel efectuou domingo à noite em Penafiel, onde considerou que "sem a Bíblia seríamos outras pessoas. Provavelmente melhores". Depois, endureceu e afirmou: "Não percebo como é que a Bíblia se tornou um guia espiritual. Está cheia de horrores, incestos, traições, carnificinas." Referiu ainda que costuma chamar ao livro sagrado dos cristãos "um manual de maus costumes".

Para José Saramago, Caim "é uma espécie de insurreição em forma de livro", que pretende levar os leitores à reflexão:

"Nós somos manipulados todos os dias. Temos de lutar contra isso. Que a leitura deste livro vos ajude a ver o outro lado." Um conselho do autor do já polémico Evangelho segundo Jesus Cristo, que, garante, não é contra Deus que escreve: "Até porque ele não existe. É contra as religiões." Porque não servem para aproximar as pessoas nem nunca serviram, explica.

As reacções a Caim serão bastantes e diversas e uma das primeiras foi observada no presidente da Câmara de Penafiel, antigo seminarista, que se manteve impávido, evitou a polémica e só disse: "Respeito as opiniões de cada um. Não me atreveria a criticar as suas convicções. Quanto às minhas, guardo-as para mim", disse Alberto Santos.

O escritor não foi apanhado de surpresa pelas reacções imediatas ao seu novo livro. Questionado pelo DN sobre a rapidez da resposta da Igreja, considerou: "O que me surpreende é a frivolidade dos senhores da Igreja. Não leram o livro e vieram logo, com insólita rapidez, derramar-se em opiniões e desqualificações, tanto da obra como do seu autor. Como falta de seriedade intelectual, não se poderia esperar pior. Compreendo que tenham de ganhar o seu pão, mas não é necessário rebaixarem--se a este ponto."

Em resposta à acusação de D. Manuel Clemente sobre a sua "ingenuidade confrangedora" sobre a Bíblia respondeu: "Abençoada ingenuidade que me permitiu ler o que lá está e não qualquer operação de prestidigitação, dessas em que a exegese é pródiga, forçando as palavras a dizerem apenas o que interessa à Igreja. Leio e falo sobre o que leio. Para mistificações não contem comigo."

Também não evitou comentar as afirmações do porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, que sugeriu "ser uma operação de publicidade" dizer mal da Bíblia: "O padre Manuel Morujão já disse que a leitura de Caim não é uma das suas prioridades. Agradeça-se-lhe a franqueza. Estranha coisa, porém, é um porta-voz que não sabe de que está a falar."

Inquirido ainda sobre se este regresso a um tema religioso denotava uma fixação, José Saramago foi claro: "É um motivo de reflexão, não uma fixação." Depois de ter escrito sobre a Bíblia, só faltava saber se pretende futuramente escrever sobre o Alcorão, ao que respondeu: "Não está nas minhas intenções, mas nunca se sabe."

Uma coisa é certa, pela quantidade de autógrafos dados em Penafiel, Caim não vai cair no esquecimento dos fiéis de Saramago.”

A polémica em torno das declarações proferidas aquando do lançamento do seu novo livro não pára. A religião continua a ser um tabu em Portugal, principalmente se é o Nobel que regressa aos Evangelhos

O confronto com os representantes de Deus na terra está, antes de mais, a provocar fortes vendas do novo livro de José Saramago. Caim, a que poucos evitam atirar não uma pedra mas as suficientes para o esconder debaixo de um monte de críticas e reacções, mesmo que ainda não o tenham lido, não passa despercebido desde que o único Prémio Nobel da Literatura portuguesa o apresentou com pompa e polémica em Penafiel e atraiu todas as conversas.

Está conseguido o primeiro objectivo do escritor, questionar as religiões e gerar o debate sobre a Bíblia. Quanto às pedras, Saramago já dissera no domingo: "Eu limito-me a levantar as pedras e a mostrar esta realidade escondida atrás delas. Nada disto existiu, está claro, são mitos inventados pelos homens, tal como Deus é uma criação dos homens". E não será por acaso que o seu livro já está a ser lido por vários elementos da Igreja Católica portuguesa e a ser debatido entre eles, conforme o DN apurou ontem.

O debate em torno de Caim não obedece a regras e quase parece uma das passagens bíblicas que o autor tanto critica no Antigo Testamento: violento, cruel e raras vezes com serenidade. Ontem, o Vaticano informou que "este será um assunto ao qual a Igreja Católica não irá dar importância" porque "está muito acima de considerações deste tipo". Enquanto isso, reeditando os ataques ao Evangelho Segundo Jesus Cristo, o eurodeputado Mário David (ver texto em cima), sugeria ao autor que resignasse à cidadania portuguesa. Na comunicação social, correram argumentos de ambas as partes. Pelo meio, Saramago convocou para hoje uma conferência de imprensa para falar de Caim.

O teólogo Anselmo Borges tem opinião formada sobre Caim: "Gostei do livro e até digo que é importante." Dá três razões para justificar a sua opinião: a "Bíblia é um livro aberto; há liberdade de interpretação e obriga os crentes a reflectir". "Não me choca a sua perspectiva, mas a Bíblia não é só isto. São 73 livros que os crentes assumem como um todo, só assim têm sentido. O autor só procurou momentos do Antigo Testamento", alerta. Anselmo Borges relembra que Karl Marx escreveu que "a religião é o ópio do povo", mas que a frase continuava: "... e é suspiro por libertação." Confessa que "se Deus fosse o que Saramago apresenta, só tinha uma atitude, ser ateu. Mas Ele não é assim, nem a Bíblia, que tem um duplo veio, a sacerdotal e profética, e perspectiva a libertação da humanidade". "Não é por acaso que a Bíblia termina com a frase de Jesus: 'Amai os vossos inimigos'", diz.

Já o teólogo Alfredo Dinis garante que não lerá Caim: "Li o Memorial do Convento e não gostei do escritor." Considera que Saramago "não entende a Bíblia como a história do povo de Israel e de como a foram interpretando". Diz que o autor "apaga muitas páginas" e que "é natural que tenha episódios mais e menos luminosos. Isso não quer dizer que Deus quisesse que as pessoas fizessem coisas vergonhosas". Quanto ao título, reclama: "Abel e Caim fazem parte da linguagem metafórica para o povo judeu entender como a humanidade está baralhada. A Igreja não considera hoje Caim personagem histórica, representa, como figura histórica, a complexidade do ser humano."

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Fonte: (sic) Jornal Diário de Notícias (Lisboa) de 21 de Outubro de 2009


Em 'Caim', José Saramago se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor que marcam sua obra. Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo involuntária, entre criador e criatura. No trajeto, o leitor revisitará episódios bíblicos conhecidos. Para atravessar esse caminho árido, um deus às turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogênito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los. A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniquidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos.


Saramago divulga trecho do livro “Caím”

Quando o senhor, também conhecido como deus, se apercebeu de que a adão e eva, perfeitos em tudo o que apresentavam à vista, não lhes saía uma palavra da boca nem emitiam ao menos um simples som primário que fosse, teve de ficar irritado consigo mesmo, uma vez que não havia mais ninguém no jardim do éden a quem pudesse responsabilizar pela gravíssima falta, quando os outros animais, produtos, todos eles, tal como os dois humanos, do faça-se divino, uns por meio de rugidos e mugidos, outros por roncos, chilreios, assobios e cacarejos, desfrutavam já de voz própria. Num acesso de ira, surpreendente em quem tudo poderia ter solucionado com outro rápido fiat, correu para o casal e, um após outro, sem contemplações, sem meias-medidas, enfiou-lhes a língua pela garganta abaixo. Dos escritos em que, ao longo dos tempos, vieram sendo consignados um pouco ao acaso os acontecimentos destas remotas épocas, quer de possível certificação canónica futura ou fruto de imaginações apócrifas e irremediavelmente heréticas, não se aclara a dúvida sobre que língua terá sido aquela, se o músculo flexível e húmido que se mexe e remexe na cavidade bucal e às vezes fora dela, ou a fala, também chamada idioma, de que o senhor lamentavelmente se havia esquecido e que ignoramos qual fosse, uma vez que dela não ficou o menor vestígio, nem ao menos um coração gravado na casca de uma árvore com uma legenda sentimental, qualquer coisa no género amo-te, eva.

Nota: Não é erro nosso a falta de maiúsculas nos nomes próprios, a começar pelo do roteirista mor da trama, Deus. Como também explica o Bibliotecário.Foi opção do autor capitalizar um único nome em todo o livro: o de sua esposa Pilar del Río, que também traduziu Caim ao espanhol. Na dedicatória, Saramago escreve: “A Pilar, como se dissesse água”. O nobel é conhecido por seu ateísmo. Dias atrás chamou o Papa Bento 16 de “cínico” em um colóquio em Roma, como se pode ler na Folha Online.
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Fonte: Bolg de “O livreiro”


DN (Lisboa) - 21 de Outubro/09
O eurodeputado social-democrata português, Mário David exortou hoje o escritor José Saramago a renunciar à cidadania portuguesa por se sentir "envergonhado" com as recentes declarações do Nobel da Literatura sobre a Bíblia. No sítio pessoal na Internet, o vice-presidente do Partido Popular Europeu (PPE), eleito pelo PSD, escreveu hoje que José Saramago "há uns anos, fez a ameaça de renunciar à cidadania portuguesa. Na altura, pensei quão ignóbil era esta atitude. Hoje, peço-lhe que a concretize... E depressa!" "Tenho vergonha de o ter como compatriota! Ou julga que, a coberto da liberdade de expressão, se lhe aceitam todas as imbecilidades e impropérios?", questiona o eurodeputado. No sábado, José Saramago lançou o novo livro, "Caim", e considerou a Bíblia "um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana". Na sequência destas afirmações, reagiram vários representantes da Igreja Católica e da comunidade judaica em Portugal, criticando Saramago e acusando-o de estar a fazer um golpe publicitário para promover o livro. "Se a outorga do Prémio Nobel o deslumbrou, não lhe confere a autoridade para vilipendiar povos e confissões religiosas, valores que certamente desconhece mas que definem as pessoas de bom carácter", escreve ainda Mário David na Internet. Contactato pela Agência Lusa, o eurodeputado disse que as afirmações "são pessoais e não representam o partido" porque foi eleito. "Não estou interessado em entrar em polémica", afiançou, acrescentando que também não quer "contribuir para dar publicidade ao livro". Questionado se já leu "Caim", respondeu: "Não li, nem vou ler, ou é obrigatório?", ironizou. "Esta posição é pessoal e vincula-me só a mim. Nem sequer sou católico praticante, mas tenho o direito à indignação", justificou, acrescentando que se sentiu "violentado" pelas declarações do Nobel da Literatura sobre a Bíblia, que, na sua opinião, são "atentatórias da consciência e sentimentos dos outros".

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