domingo, 27 de março de 2011

Mudanças nas regras da Lei Rouanet

Lucimara Letelier sexta-feira, 25 março 2011 2011 é um marco de mudanças para o setor cultural. Além da nova Ministra da Cultura e novidades na Lei Rouanet (as que já sabemos e as que estão por vir), o setor também é impactado pelas transformações da economia brasileira e do mercado consumidor com conseqüências diretas na forma como as organizações de cultura cuidam de sua sustentabilidade financeira. A lei Rouanet é sem dúvida o mecanismo mais utilizado para o financiamento da cultura no Brasil, disponibilizando anualmente cerca de 1 bilhão de reais para os projetos via renúncia fiscal. Mesmo diante dos benefícios, a lei sozinha não resolve e não totaliza o que uma política pública de cultura pode e deve contemplar para o desenvolvimento sustentável do setor cultural de qualquer país. Observando outros países como França, Inglaterra e Estados Unidos, a política cultural pública deve tanto incentivar a participação da iniciativa privada (empresas e pessoas físicas) quanto comprometer-se com aportes diretos a áreas de extrema relevância, porém desinteressantes ao investidor privado como: • capacitação e formação dos gestores culturais e artistas • ampliação do acesso a produção cultural a comunidades excluídas • defesa do patrimônio histórico e bibliotecas públicas • atividades artísticas em regiões de menor visibilidade e menor poder de consumo • arte experimental, áreas de inovação e itinerância de projetos • arte-educação e atividades de formação artística de excelência. Além disto, é preciso considerar outros aspectos do contexto do mercado cultural como a correlação entre os Ministérios da Cultura, Educação, Turismo e Fazenda que poderiam trazer oportunidades ao mesmo tempo transformadoras da sociedade e favoráveis a economia do país. Um exemplo é o apoio as indústrias criativas que movimentam a economia de países no mundo inteiro e agora também tomam força no Brasil. Outra questão é capacitar as organizações para o relacionamento com o público, que além de ser o foco prioritário da atividade artística, é também fonte de financiamento. Hoje, a classe C emergente consome cultura como nunca antes no país com muitas pessoas capazes de freqüentar e financiar ações culturais, assim como as poucas, porém muito ricas do topo da pirâmide social do Brasil também podem representar uma mudança significativa no setor. São 146 mil milionários e 18 bilionários com os quais as organizações culturais podem estabelecer uma relação direta de envolvimento com a causa e conseqüente compromisso financeiro. A lei Rouanet, portanto, lida apenas com uma parte da questão, que é o incentivo às empresas para que apóiem projetos culturais via renúncia fiscal. Em 20 anos da lei, basicamente limitados a este lado da moeda, o setor cultural não desenvolveu outras várias possibilidades para sua sustentabilidade financeira, que agora começam a avançar diante das mudanças. Uma questão chave deste modelo é que a lei Rouanet não previa a distinção entre a forma de financiamento de projetos culturais (pontuais) e instituições culturais perenes. E, por isto, a maioria das instituições de cultura lida com a captação de recursos de uma forma não institucional, ou seja: • Dependem de terceiros para elaborar e captar seus projetos • Limitam a captação de recursos em arrecadação de dinheiro pontualmente sem extrapolar para outros benefícios de longevidade e posicionamento institucional • Não criam equipes e estruturas perenes profissionalizadas voltadas a fontes diversas de financiamento (fundações, governos, empresas, pessoas físicas, receitas próprias com vendas, licenciamento de marca, serviços) • Captam recursos de forma muito distinta das demais organizações sem fins lucrativos de meio ambiente/saúde/educação, com as quais poderiam aprender muito. Algumas das mudanças na Lei Rouanet com a Instrução Normativa de outubro de 2010 e com o projeto da Nova Lei de Cultura, enviada ao Congresso Nacional, trazem alguns avanços, mas podem evoluir nestas áreas em que o Brasil ainda precisa caminhar muito como: • Incentivo para criação de fundos de “endowment” com aplicações de longo prazo • Menor burocracia para doação de pessoas físicas, tanto pequenas contribuições mensais quanto grandes montantes de famílias ricas • Profissionalização das equipes das instituições para que saibam atuar tecnicamente com a o desenvolvimento e fidelização de público para novas platéias • Mecanismos de intermediação entre as empresas patrocinadoras e as instituições para valorizar benefícios mútuos, tangíveis e intangíveis do patrocínio cultural hoje pautado por uma relação desigual de poder com as empresas e reduzido da sua real dimensão • A importância de um planejamento estratégico mais aprofundado que contemple a longevidade das instituições ao invés de “contar as moedas” a cada inicio de ano para definir que projeto vai fazer ou cancelar. Isto também ampliaria a qualidade dos projetos (hoje muito baixa: apenas 5% dos aprovados na lei são realizados). Este é o desafio da nova Ministra ao avaliar o que permanecerá igual no Plano Nacional de Cultura lançado em dezembro/2010 para os próximos 10 anos e o que será aprimorado. O debate não pode se restringir apenas ao percentual de incentivo, a permanência dos pontos de cultura e a garantia do direito autoral. Precisa expandir para estas outras áreas voltadas ao longo prazo com a valorização do papel das organizações culturais no desenvolvimento do setor como um todo iniciando pelo seu próprio fortalecimento institucional. E este também é o desafio dos gestores de cultura, que diante deste novo cenário, começam a rever suas próprias regras. *Publicado originalmente na revista Filantropia

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